A cena clássica de uma criança pequena segurando um ursinho de pelúcia possivelmente nos remete a uma lembrança familiar e comum.
Acredito que todos já se depararam com alguma criança segurando firmemente seu objeto afetivo, podendo ser um paninho próximo ao nariz/boca ou mesmo uma boneca ou ursinho. Tais elementos são chamados de objetos ou fenômenos transicionais³.
O objeto ou fenômeno transicional é o primeiro agente externo que a criança toma posse e que exerce a função de ligar o mundo externo e interno infantil². Logo após o nascimento, o seio materno ocupa esse lugar entre a criança e a mãe, mas quando esta não se encontra presente, o seio também não está. Por esse motivo, o elemento transicional carrega a marca de poder ser controlado pela criança, de forma que a mesma recorre a ele sempre que tiver vontade.
Nesse sentido, a partir dos quatro a oito meses de idade, em média, a criança cria algo para representar a mãe quando esta se ausenta. Com o objeto transicional, o infante consegue temporariamente dar conta dos sentimentos internos, angústia, medo e ansiedade, conquistando gradativamente avanços no sentido de suportar as falhas normais da vida. Por meio dele, a criança conquista a capacidade de enfrentar dificuldades como um treino para a vivência em sociedade.
O rol dos objetos e fenômenos transicionais é bastante amplo, e depende da criatividade de cada um para inventar aquilo que melhor lhe represente a figura materna. Por esse viés, encontra-se o comportamento de chupar o dedo, o cantarolar do bebê, cheirar um pedaço de pano, fronha, lençol e padrões de comportamentos (maneirismos). Ressalta-se que os pais sabem o valor desses elementos para os filhos, por isso procuram levar os objetos em viagens e quando a criança dorme fora de casa. Isso é positivo, porque mantêm a criança confiante quando está em um ambiente desconhecido ou em uma situação estranha¹. Há aqueles que não precisam de algo externo para além da mãe e se desenvolvem da mesma forma que os outros.
O infante geralmente é quem nomeia o instrumento transicional pelos resquícios das palavras utilizadas pelos adultos, podendo modificar seu objeto com o passar do tempo, devendo essa mudança ser natural e não forçada por outrem. Uma criança saudável psiquicamente não esquece o objeto ou fenômeno transicional, mas este é abandonado em determinado momento da vida, ou então, deslocado para algo de acordo com a idade do sujeito. Esse deslocamento pode avançar para a capacidade criativa, para o brincar, para os interesses artísticos e religiosos³.
Vale destacar que os pais e cuidadores devem respeitar o momento de cada criança em desfrutar dessa fase, oferecendo respaldo para que os pequenos possam fazer uso de suas capacidades criativas e do fantasiar, desenvolvendo artifícios para conseguir lidar com a separação momentânea dos pais quando estes, por exemplo, estão trabalhando e deixam a criança na escola.
Sem que percebamos, os resquícios dos objetos e fenômenos transicionais nos acompanham por toda a vida (o jeito de dormir, o cantarolar para se acalmar, o mexer nos cabelos), mostrando que a complexidade do afeto não se restringe aos primeiros anos de vida¹. Contudo, o esperado é que a partir dos dois anos de idade a criança comece a se interessar pelas atividades sociais e deixe paulatinamente a fase do “ursinho”.
Fontes consultadas Klass, P. (2013, 11 de março). A Firm Grasp on Comfort. The New York Times. Recuperado em 26 de março, 2013, de https://well.blogs.nytimes.com/2013/03/11/a-firm-grasp-on-comfort/ Moura, J. (2008). Winnicott - Principais Conceitos. Recuperado em 22 de Abril, 2013, de https://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/winnicottprincipais-conceitos Winnicott, D. W. (1975). Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. In D. W. Winnicott, O Brincar e a Realidade (pp. 10-47). Rio de Janeiro: Imago.
Psicóloga Cláudia Yaísa
CRP 06/111120
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